terça-feira, 5 de março de 2013

Hugo Chávez se foi



Hugo Chávez morre em um momento crítico da história da Venezuela. Ele também assumiu o poder constitucionalmente, após uma tentativa malograda de golpe, em outro momento crítico da história de seu país. Ao assumir, a Venezuela vivia profunda crise política, decorrente da perda de legitimidade e credibilidade dos partidos dominantes, que levou à sua generalizada rejeição. Ele morre, com seu país em profunda crise econômica, com inflação e desabastecimento, sem lideranças capazes de promover governança sustentada, seja na situação ou na oposição. O ator chave na Venezuela pós-Chávez serão as Forças Armadas e os verdadeiros fiadores do poder, serão os generais chavistas, seus antigos companheiros de coronelato, que ele trouxe para a cúpula militar, deslocando os velhos generais.
Para entender as profundas incertezas e os riscos políticos associados à probabilidade não desprezível de um governo militarmente tutelado ou mesmo um governo militar, é preciso examinar o contexto da tomada do poder por Chávez e de sua caminhada até seu declínio pessoal, físico, mas não político. O chavismo continua como a principal força política do país, mas sem lideranças e sem herdeiros capacitados. É inevitável que se transforme em outra coisa nos próximos meses e anos, principalmente, tendo em vista a crise econômica não debelada, apesar do crescimento recente, e a persistente dependência às receitas do petróleo, que Chávez operou, sempre, para financiar seu projeto político.
A crise que levou ao chavismo era marcada pela presença de amplas massas marginalizadas, elevada alienação eleitoral e desmobilização política. A crise que Chávez deixa é marcada por profunda e violenta polarização entre as elites e as classes médias de um lado, e as massas populares, majoritariamente chavistas, de outro. Chávez assumiu no ocaso das elites políticas e declínio das lideranças tradicionais. Morre em uma situação de ausência de lideranças fortes e autônomas, na oposição e no governo.
Quando Chávez assumiu, a Venezuela vivia o declínio da democracia clientelista e oligárquica estabelecida pelo Pacto de Punto Fijo, em 1958, cujos principais protagonistas foram Rómulo Betancourt e Rafael Caldera, com apoio dos militares e dos líderes dos outros partidos ativos no país. O pacto levou ao bipartidarismo de fato, com os dois principais partidos a AD e o COPEI se alternando no poder e partilhando os meios de dominação política. No ano em que Chávez se elegeu, 1998, a abstenção eleitoral foi superior ao voto dado aos partidos tradicionais. Era a indicação derradeira do colapso da velha ordem política venezuelana.
Do ponto de vista social, a situação era explosiva. Alto crescimento populacional (131% entre 1961 e 1999), rápida urbanização ( 40% de aumento da população urbana entre 1950 e 2000), e descontentamento popular em crescimento exponencial. Agregue-se a esses componentes macrosociais, a marginalização das massas indígenas e a desmobilização política e o que se tem é um terreno propício ao surgimento de uma liderança popular e carismática. O que Chávez não conseguiu com sua tentativa de golpe, em 1992, logrou realizar com seu discurso bolivariano, seis anos depois. Assumiu o poder, com clara vocação hegemônica, mobilizando as massas despossuídas e insuflando a mais profunda polarização política de seu país.
Para sustentar esse projeto bolivariano de poder, Chávez precisava, contudo, de mais do que apoio popular. A tentativa de golpe contra ele, em 2002, deixou claro que a polarização radicalizada e agressiva operava pelos dois lados. Desde o início, Chávez voltou-se para as Forças Armadas, sua origem, como um recurso de poder que precisava conquistar de imediato. Deixadas, elas se tornariam inevitavelmente um instrumento de ameaça por parte das elites conservadoras. Aposentou os velhos generais e promoveu ao generalato seus companheiros de geração, como ele coronéis e tenente-coronéis, na época em que tentou o malsucedido golpe, foi preso e teve sua carreira militar interrompida. Em seguida, importou armamentos da Rússia, transformando as Forças Armadas venezuelanas nas mais bem equipadas do continente. Finalmente, promoveu uma ligação direta e estratégica entre as Forças Armadas e seu projeto social, entregando aos grupamentos militares a condução das “Missiones Sociales”, seus numerosos projetos sociais, destinados aos despossuídos, com forte conteúdo político, mas operados pelos militares e não pelo partido, ou por lideranças políticas civis. Os avanços sociais são inegáveis e sustentaram Chávez politicamente por mais de uma década.
Daí o fato de que todas as lideranças políticas civis, o vice-presidente Nicolás Maduro, o ex-vice presidente e atual chanceler, Elias Jaua, e o chefe do parlamento e vice-presidente do Partido Unido da Venezuela (PSUV), Diosdado Cabello, sejam caudatárias do presidente morto. Foram criados por Chávez, por ele colocados em seus postos. Jaua deixou a vice-presidência a mando de Chávez para disputar o governo de Miranda com Enrique Capriles, principal figura da oposição. Perdeu. Chávez não tinha mais forças para fazer uma campanha efetiva por ele. Quando o presidente já estava moribundo e incapacitado de governar, Maduro, no exercício de uma interinidade claramente inconstitucional, o nomeou ministro das Relações Exteriores. Cabello, reelegeu-se chefe do parlamento, como Chávez queria. É o único, dos três herdeiros presuntivos, com relações estreitas com os militares. Tem mais poder que os outros dois, mas contra ele pesam graves acusações de relações com o crime organizado, que cresceu muito nos últimos anos, principalmente alicerçado pelo narcotráfico.
Após o enterro de Chávez, que terá certamente cenas de desespero e tristeza entre as massas populares e, provavelmente, momentos de violência contra os opositores do morto, a Venezuela vai mergulhar na instabilidade e na incerteza. As massas mobilizadas ganharão as ruas, sem um líder para dar-lhes direção. É pouco provável que as forças do chavismo, as três lideranças já citadas, Maduro, Cabello e Jaua,  Adán Chávez, irmão, governador de Barinas, fundador do PSUV e militante histórico da esquerda venezuelana, e Jorge Areaza, o genro, atualmente ministro da Ciência e Tecnologia, se mantenham unidas. Ao contrário, muito provavelmente, disputarão o legado de Chávez e a liderança do chavismo sem seu chefe maior. Povo mobilizado, enraivecido, frustrado, consternado e sem direção nas ruas e divisões internas no governo, nunca deram bom terreno para a democracia e a estabilidade.
A Venezuela viverá momentos turbulentos sem Chávez e o resultado final é completamente incerto. Certo é que, antes de um desfecho, uma nova ordem, o país passará por densas e tumultuosas nuvens. É possível que sejam convocadas eleições em 30 dias, como manda a Constituição. Maduro tentará, com certa vantagem, eleger-se presidente. É esperado que Capriles, o enfrente. Capriles tem a vantagem de ter tido boa votação contra Chávez e a desvantagem de ser contra Chávez. Maduro tem a vantagem de ser identificado com o chavismo e com Chávez, seu vice-presidente, declarado pelo finado presidente como seu continuador, e a desvantagem da falta de carisma e, sobretudo, de credibilidade. Nada é certo na Venezuela, após 14 anos de comando com mão de ferro, centralizado pela figura carismática, bombástica, irônica e histriônica de Hugo Chávez.
Fonte: http://www.ecopolitica.com.br

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